sexta-feira, 2 de maio de 2025

A voz de Diniz Borges e o nosso destino na América do Norte


Ainda caímos, facilmente, por um elogio gratuito ou uma presença ornamental nas nossas festas.

Diniz Borges, Raízes E Horizontes: Narrativas Da Diáspora Açoriana


    Diniz Borges emigrou para a Califórnia com dez anos de idade, e poucos anos depois já intervinha na vida comunitária de Tulare, no Vale de São Joaquim, que a maioria dos leitores sabem muito bem onde fica, e ainda mais sobre a vida do povo açoriano ligado maioritariamente à agro-pecuária que os nossos antepassados lá tinham desenvolvido a uma escala inigualável no mundo. Sereno e de uma consciência precocemente política e comunitária, Diniz Borges chegaria também em pouco tempo a uma faculdade estadual e depois a outra onde se formaria com um mestrado em estudos de literatura étnica, o mesmo que dizer ao estudo das literaturas dos “outros” que já vinham desde os anos 60 a reformular a ideia de “América”. Radialista num programa por ele fundado, todas a semanas cultivava a cultura portuguesa através da música e da fala sem medo nem tréguas. Quando eu viajava de quando em quando a alta velocidade de Los Angeles para o Vale de São Joaquim, Diniz convidava-me de imediato para me fazer uma entrevista na rádio sobre o estatuto das nossas comunidades, particularmente a sobrevivência da língua portuguesa na imigração. Eu já era professor bilingue no Cerritos High School, e ele pensava que eu teria algo de importante a dizer sobre o Português nos Estados Unidos. Diniz, disse-lhe num desses programas que levantaria alguma celeuma entre certos ouvintes: “caminhamos alegremente para o suicídio linguístico”. Ainda hoje ele fala-me dessas palavras, e no que teria de ouvir dos “patriotas” mais assanhados. Seguiria logo depois com a sua escrita em jornais da nossa imigração e nos Açores, a sua temática uma outra constante: o respeito e a crítica pelas nossas tradições lembradas em festas, na religiosidade de todo um povo ido das ilhas açorianas e de outras geografias de língua portuguesa. Em suma, a destreza da sua palavra abordava o dilema de uma muito antiga comunidade espalhada pela vastidão da Califórnia. Que sim, a Tradição era uma dádiva a que a própria Igreja incentivava em rituais diversos, em festas em prol da coesão de um povo numa sociedade multicultural, mas a nossa sobrevivência requeria algo de muito mais radical e seguro: a nossa integração no resto do território americano em tudo o que nos colocaria num espaço aberto, desde a política à grande e diversa cultura e modo de vida dos que connosco se definiam para além da “saudade que não chora”, como ele intitulava uma notável antologia de poesia açoriana e de luso-descendentes. Hoje, Diniz Borges dirige com saber e rigoroso sentido de missão, como docente e investigador, o Portuguese Beyond Borders Institute que integra a Universidade Estadual da Califórnia, em Fresno. Posso dizer com segurança que ele neste últimos anos tem feito muitíssimo mais do que eu e alguns colegas fizemos durante tempos passados no mesmo estado. Numa outra palavra, que a Tradição se mantivesse sem nunca ser um entravo à modernidade comunitária que tardava a chegar.

    Raízes E Horizontes: Narrativas Da Diáspora Açoriana vem na sequência de uma substancial e canónica obra jornalística e literária, que inclui inúmeras traduções de autores açorianos e luso-descendentes, todas elas mencionadas nas notas de capa do livro aqui em foco. Estamos ainda e sempre ante a luta pelo respeito e progresso das nossas comunidades. Lembra-nos da nossa longa e persistente caminhada rumo à integração total na sociedade norte-americana na política, nas artes e indústria. São muitos os nomes aqui mencionados, como são as visitas dos nossos políticos e governantes regionais que evidentemente pouco aprenderam sobre a dinâmica em curso dos luso-descendentes. Chegam lá dos Açores e do continente com um discurso que nunca saiu do antigo regime: é a saudade que eles julgam ser a dos nossos imigrantes, a noção mais do que ultrapassada sobre o que é ser-se “açoriano” ou “português”, como Marcelo Rebelo de Sousa a dizer ainda recentemente naquelas paragens que somos caldo verde, futebolistas, e, suponho, comedores de bacalhau, entre outras asneiras como se ainda fossemos todos iguais, uma tribo para sempre classificada e não parte de uma globalização, boa ou má, mas que faz da diversidade todas, ou quase todas, as nações do mundo. Entre tudo isto, o autor lembra que tempos houve em que a nossa Imprensa prestava atenção ao país peregrino, mas agora integrado em boa parte do mundo, com outras ideias, com outro modo de vida, e com uma saudade não sentimentalista, mas sim de respeito pela diferença dentro e fora do seu país natal.

    É certo – escreve Diniz Borges num dos seus ensaios deste livro – que variadíssimos setores da nossa Diáspora envelheceram, há gente opulenta e satisfeita. Mas o mundo nunca foi feito pelos sossegados e os satisfeitos. Desde as grandes figuras da história universal, ao mais comum dos mortais, foram sempre os desassossegados que mudaram os rumos da história. O envelhecimento na idade é irreversível, porém as ideias, os sonhos, as utopias, jamais podem envelhecer e há que trabalhar, em ambos os lados do Atlântico, para uma diáspora que mantenha sempre o debate de ideias novas e a construção do possível e do impossível”.

    Aí está um resumo desta longa prosa de um dos mais importantes escritores, ativistas comunitários e políticos da nossa Diáspora nos Estados Unidos. São mensagens para uns e outros nos dois lados do mar? São, mas ainda muito, muito mais. São análises contundentes dos nossos falhanços num entendimento que deveria ser mútuo, e não é. A pretendida preocupação dos nossos políticos, desde o Presidente da República aos nossos representantes eleitos do Açores, parece mais narcisista do que sincera – pelas palavras ocas que lá levam, pelas ações ou sessões cerimoniosas cá e lá. Que fazer? Como o fazer? Tudo isto requer estudo, atenção a quem tem lutado por uma região, por um país que não seja meramente condescendente porque as culpas da nossa sangria emigrante (e imigrante) vêm de longe, devem-se acima de tudo à injustiça do passado e à contínua incompetência e pouco conhecimento do presente. Que aguentemos agora com uns Estados Unidos sem respeito nem compreensão pelos que tiveram de fugir da miséria e da falta de políticas que garantissem a estabilidade de um país sempre adiado. Mais cá dentro do que lá fora.

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Diniz Borges, Raízes E Horizontes: Narrativas Da Diáspora Açoriana, Letras Lavadas, Ponta Delgada, 2025.

BorderCrossings do Açoriano Oriental de 2 de maio de 2025. 

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