188 anos de existência como voz açoriana é fazer parte constante – e insistente – da nossa História. Bem sei que os seus leitores, particularmente na nossa maior ilha, sabem que é o mais antigo jornal português em termos de publicação ininterrupta, antecedido na Europa só pelo também mítico Times, de Londres, como li numa edição recente do jornal fundado em 1835 por Manuel António de Vasconcelos. Diz-me um outro texto que em língua portuguesa está acompanhado na sua existência pelo Jornal do Commercio (na ortografia da época), do Rio de Janeiro, fundado em 1827 e com circulação até 2016, quando foi apanhado pela crise financeira que muitos outros estrangulou. A história e análise da sobrevivência do grande jornal micaelense estão documentadas no livro Açoriano Oriental: 1835-2000 pela Professora Susana Serpa Silva, da Universidade dos Açores. Para quem, como eu, esteve desde muito novo ligado à nossa imprensa escrita, cada uma dessas referências fazem parte do meu trabalho vocacional, digamos, tornando o sentido de missão que é o de comunicar e tentar contribuir em certa área da nossa vida para a memória coletiva do nosso povo dentro e fora do arquipélago. Toda esta distinta caminhada do Açoriano Oriental incute, em mim, como em muitos outros que sempre tiveram e têm um espaço nas suas páginas, a responsabilidade da seriedade perante a palavra escrita, a manutenção do diálogo dignificante com todos os seus leitores sobre qualquer assunto ou tema que afeta de um modo ou outro o nosso presente, e sobretudo o nosso futuro. Da notícia ocasional de qualquer acontecimento ao comentário sócio-político até ao enquadramento cultural – o modo de sermos e estarmos – foi desde sempre essencial não só para a vida corrente, como para os arquivos que vão servir as futuras gerações no repensar as suas raízes, assim como permitir-lhes um sentido de pertença pátrio. Da notícia crua ao comentário, o Açoriano Oriental, juntamente com os seus colegas em todas as ilhas, tem a obrigação do que um professor na minha faculdade da Universidade Estadual da Califórnia nos lembrava constantemente, mesmo que em relação a distantes questões literárias: Get it, and get it right/apreendo-o e apreende-o corretamente. Opiniões, dizia ele ainda, existem muitas, mas algumas partem da ignorância enquanto outras estarão bem fundamentadas na informação e nos factos conhecidos. Falava, uma vez mais, de literatura, mas creio que a sua mensagem aplica-se a qualquer questão que envolva uma voz pública, no que diz respeito a alguém mais do que ao seu emissor. Nada nesta regra da escrita, jornalística ou ensaísta, impede a inevitável intervenção opinativa. Pelo contrário, exige sabermos ouvir ou ler o outro com todo o respeito e serenidade numa sociedade aberta e no diálogo constante que influi no rumo que desejamos tomar em qualquer comunidade.
Serão poucas as geografias com as dimensões populacionais reduzidas como os Açores que mantêm uma imprensa com tanta história e viveza contínua. Quando alguém me diz que não há nada de novo ao folhear o jornal, demonstrando um certo cansaço ante as coisas públicas, apetece-me dizer que esse cansaço é pessoal e não de quem tenta transmitir diariamente os incontáveis abalos políticos, sociais e económicos, as misérias lado a lado com os triunfos humanos a que estamos todos sujeitos a viver e a testemunhar. A outra confusão entre nós tem muito a ver com a noção de “grandeza” metropolitana como suposto contraponto a órgãos de comunicação necessariamente em proximidade com todos no seu próprio meio. Um jornal poderá ser e é também um negócio, só que um negócio, quando sério e consciente de todas as suas responsabilidades de serviço público absoluto, quando mesmo de cariz ideológico, necessariamente, faz parte da vivência em democracia, em liberdade e respeito mútuos. O que me leva ainda a elogiar como o Açoriano Oriental – sempre na companhia de outros periódicos ou meios de comunicação diversa entre nós – compreende ser parte integrante e obrigatória do possível bem estar dos seus leitores, da sua defesa em contratempos de toda a espécie.
A Cultura nos seus vários géneros e nas suas muitas formas é a fonte inquestionável do prazer e da definição espelhada de nós próprios. Não vale a pena reafirmar interminavelmente que nunca existiu um único grupo humano, desde as grandes metrópoles ao mais escondido recanto, sem arte, sem a metáfora e o símbolo que representam a sua existência, a mítica das suas origens, o riso e o choro do seu destino. Já publiquei nalguns dos maiores periódicos de língua portuguesa, mas nenhum deles me deu ou dá o prazer de comunicar publicamente com a minha mais íntima comunidade, receber a apreciação ou a crítica no mesmo dia em que sai o jornal da nossa sociedade, qualquer um dos jornais mais próximos do que tenho por ser a realidade por entre os seus infinitos mistérios, tudo referente a um passado comum, a um presente que nos trata a todos de modos diferente quando aspiramos a um futuro solidário adentro de uma vivência mútua e democraticamente diversificada.
Escrevo para o Açoriano Oriental desde que regressei aos Açores há trinta e um anos. Houve tempos em que por circunstâncias momentâneas colaborei – e colaboro – com outros jornais que me merecem o mesmo respeito e gratidão. A partir de 2010, Paulo Simões, o diretor do Açoriano Oriental, foi um dos responsáveis pela minha presença semanal nas páginas de opinião com uma longa recensão ou ensaio literário que tem como objetivo dar a notícia comentada do que considero ser o melhor da nossa literatura provinda da geografia múltipla que tem sido a sorte da nossa gente e a de outras línguas e culturas. Isto é um privilégio, acreditem. Considerei sempre o meu trabalho como uma obrigação de devolver às sociedades portuguesa e norte-americana um pouco pelo tudo que me deram: solo de pertença, formação académica e depois uma vida ao serviço da Educação a vários níveis, com todas as garantias de segurança que esses lugares me proporcionaram.
Um dos maiores elogios que recebi por publicar no Açoriano Oriental veio de uma internacionalmente reconhecida dramaturga e grande escritora lusocanadiana, Elaine Ávila. Após escrever nestas páginas em forma de ensaio e entrevista sobre a sua obra, ela anunciou a quem quis ouvir por lá que nunca tinha pensado em ser sujeita ou tema do mais antigo jornal português, e adiantava ainda quase solenemente que era o jornal que os seus avós açorianos provavelmente também tinham lido, segurado nas suas mãos. Sei do orgulho de que falava a nossa escritora. Eu também fui imigrante, com as ilhas açorianas diariamente em mim na grande Los Angeles. Sinto o mesmo, Elaine, ao entrar esporadicamente na redação deste jornal, e ao abri-lo todos os dias – com alegria acrescida às sextas feiras.
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Edição especial comemorativa dos 188 anos do Açoriano Oriental, 18 de Abril de 2023.
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